O monge zen-budista Haemin Sunim — Foto: Divulgação
GERADO EM: 14/07/2024 - 04:30
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O monge zen-budista Haemin Sunim dá início ao seu livro "Quando as coisas não saem como você espera" (Editora Sextante) com uma parábola da escritura budista "Nirvana Sutra": uma mulher deslumbrante e perfumada bate à porta de um homem e se apresenta como a Deusa da Agradável Virtude. Diante de promessas de prosperidade,sucesso e amor,é convidada a entrar. Logo depois chega uma outra mulher,esfarrapada e mal-cheirosa. É a Deusa das Desagradáveis Trevas. Claro que o homem não a quer em casa,mas a resposta é: “Sempre vou aonde minha irmã gêmea vai. Se quiser que minha irmã fique,precisa me convidar a entrar também.”
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Em um tempo em que as pessoas só querem prazer e alegria,Sunim tenta nos preparar para receber as dificuldades da vida com a mesma gratidão. “Tudo bem não estar bem”,ele escreve.
O monge não só orienta sobre como ter uma vida mais plena,estar mais apto a lidar com os momentos duros,como também conta as adversidades pelas quais ele mesmo passou,como quando foi alvo de haters na Coreia. Leia a seguir os melhores momentos da entrevista:
Somos todos como aquele homem que só quer as dádivas da vida? Desaprendemos a viver e passar pelas fases ruins?
Sim,tendemos a esperar apenas as coisas boas em nossas vidas. Queremos sucesso. Queremos felicidade,crescimento espiritual,intelectual e financeiro. No entanto,sempre que você sobe uma montanha,você certamente vai descer. Muitas vezes nos sentimos felizes porque acabamos de terminar uma tarefa muito difícil,não? Portanto,só porque existe algum desafio não significa que seja inerentemente ruim. Eles nos dão oportunidade de crescer e desenvolver paciência,compaixão e tentar formas diferentes para fazer as coisas. Portanto,acho que o que consideramos um momento difícil ou infeliz não é inerentemente ruim. Acredito que só precisamos ter uma boa perspectiva. Quando as coisas não acontecem do nosso jeito,em vez de resistir,ver isso como parte da vida.
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É por isso que há tanta gente recorrendo à medicação? As pessoas não sabem mais aceitar e abraçar a tristeza e buscam pílulas da felicidade?
A gente não quer ter aquela emoção,seja tristeza,raiva ou estresse,e fica se entorpecendo com remédios. Não estou dizendo que todos os medicamentos são ruins,claro que não. Para algumas pessoas,é vital. Porém,tomar pílulas só para nos fazer escapar desse tipo de emoção difícil,também entorpece a alegria em nossas vidas. Quando estiver sofrendo gravemente de uma doença mental,é altamente recomendável fazer também uma psicoterapia,para que você possa realmente entender sua vida sob uma perspectiva melhor. Muitas vezes não é o evento em si que está nos machucando,mas nossa resistência psicológica a ele. À medida que resistimos,isso cria estresse porque você não quer aquilo.
Então é como quando estamos com dor física,precisamos respirar e esperar passar?
Sim,porque desaparece. Qualquer emoção que surja,também em breve desaparecerá por si mesma. Se você tiver a sabedoria de apenas esperar,o que aconteceu vai passar naturalmente,até porque seus interesses mudam para outra coisa. Talvez você esteja chateado no trabalho,mas quando chega em casa,vê seu bebê e aí para de pensar nisso. Toda a sua emoção negativa simplesmente se dissipa. Então o que eu diria é que,qualquer emoção que sintamos,seja ela boa ou ruim,devemos recebê-la e apreciá-la. E ter a sabedoria de que ela também desaparecerá.
Mas como alcançar essa sabedoria? Como nos preparar (e aos nossos filhos) para abraçar todos esses sentimentos?
Todos nós já vivemos a experiência do primeiro amor. E quando acabou nosso primeiro amor,parecia o fim do mundo,certo? Parecia que nunca mais você encontraria outro amor. Mas a gente sabe,como adulto,que essa pessoa não vai ser a última. Isso é uma espécie de força natural da vida adulta,porque a gente reconhece e identifica a dor,mas sabe que ela passa. Nós ganhamos perspectiva à medida que envelhecemos e temos mais experiência.
Você foi alvo de haters na Internet após participar de um programa na Coreia. Por que há tanta raiva nas pessoas hoje em dia?
Porque enquanto a pessoa odeia os outros não precisa enfrentar sua própria realidade. Não precisa pensar em como resolver seus próprios problemas. Quando odiamos alguém,sentimos que estamos certos,que temos poder. A questão é que para nos sentirmos melhor de verdade,precisamos enfrentar nossa própria vulnerabilidade. Quando estamos com raiva,não somos vulneráveis,não estamos em contato com o nosso verdadeiro sentimento,que está encoberto. Mas uma vez que essa raiva desaparece,então você tem que enfrentar sua realidade e isso pode ser assustador.
Como foi esse momento para você,pessoalmente?
Senti que essa era uma oportunidade. Todas as coisas que eu estudo e pratico nas meditações,devem me preparar para esse momento. Então,a questão foi: ainda poderia encontrar equilíbrio diante dessa experiência difícil e desafiadora? Ainda posso encontrar sabedoria? Continuar trabalhando coisas que realmente são significativas para mim? Quando estamos subindo,estamos fadados a receber muito,não apenas coisas boas,mas muitas coisas negativas que vêm com isso também. Devemos nos preparar para ambos.
No livro você fala sobre o caminho para a pequena felicidade. A felicidade está nas pequenas coisas?
É isso. Porque a vida é feita de pequenos momentos. Se pudermos fazer uma pausa e realmente apreciar uma boa xícara de chá,uma caminhada com amigos,passear na natureza.... Uma das minhas coisas favoritas é ir na minha padaria preferida e comer o pão quente,que cheira tão bem. À medida que valorizamos esses momentos,e somos mais gratos,sentimos que estamos tendo uma vida muito enriquecedora. A gente se sente uma pessoa muito rica,porque tem tantos pequenos e maravilhosos momentos na vida. Você se sente com sorte.
Mas temos que aprender a fazer isso. Estamos o tempo todo em busca de grandes conquistas,grandes coisas para comemorar.
Temos que fazer uma escolha racional. Diga: eu vou parar para curtir só por 10 segundos. Na semana passada,a Coreia estava cheia de flores de cerejeira por toda parte. Se você puder dizer "vou apenas aproveitar essa linda chuva de pétalas das flores de cerejeira. É tão lindo!",já é um passo. Mas se você está apenas ocupado,ocupado,não pode realmente aproveitar.
Mas as pessoas nem veem as cerejeiras porque estão com os olhos baixos no celular,não? Em meio a mensagens,e-mails e redes sociais,estamos perdendo a verdadeira comunicação?
Percebi que eu também costumo apenas enviar uma mensagem de texto,em vez de ligar para alguém. Hoje em dia,às vezes é muito íntimo telefonar. No entanto,acho importante que nos comprometamos a encontrar os amigos cara a cara. É completamente diferente. Só assim podemos realmente nos abrir e falar sobre o que está acontecendo em nossas vidas,mostrar empatia e cuidado,fazendo conexões mais profundas. Eu acho que a gente tem que se comprometer,abrir um espaço para isso,seja reservar um momento para jantar com a família,fazer disso um ritual regular. Esse tipo de ritual pode realmente nos fazer sentir mais conectados e felizes.
Ou fazer uma chamada de vídeo para alguém distante,por exemplo. Liguei para uma amiga em Portugal e até choramos no telefone porque precisávamos daquela conversa.
O que você fez foi dar o presente da atenção,quando alguém está prestando atenção em nós e nos deixando conversar,nos deixando ser quem somos. E você está interessado no que a pessoa tem a dizer,então se torna um momento muito especial. Sabe,o que todos nós estamos desejando é a atenção das pessoas. Se pudermos dar isso aos outros,estando verdadeiramente presentes,esse é o melhor presente.
Temos centenas de amigos ou seguidores,mas nos sentimos mais solitários?
Não sei se ficamos mais solitários do que antes,mas sinto que em vez de nos conectarmos profundamente com poucas pessoas,com a tecnologia fazemos conexões superficiais com muitas,muitas pessoas. Mas acho importante diferenciar o seu seguidor do verdadeiro amigo. Nos verdadeiros amigos você tem que investir de verdade,investir seu tempo e emoções. Esses amigos são preciosos. E temos que nos comprometer a atendê-los regularmente,porque é bom para nós e é bom para eles.
Quais você diria que seriam as dicas mais importantes que você poderia dar às pessoas para uma verdadeira felicidade,esse sentimento de pertencimento e de estar em paz?
Acho que a felicidade é o acúmulo de hábitos saudáveis. Digamos que você acorda cedo,se exercita e depois já vai se sentir melhor. Aí faz uma ligação para seus amigos e realiza um trabalho significativo para você. Na hora do almoço você aprecia a natureza,faz uma pausa e caminha,em um tempo de silêncio só para você. Quando voltar para casa,toma uma decisão consciente de se conectar com seus familiares,guarda o telefone pelas próximas duas horas para dar atenção aos filhos ou companheiro. Você termina o dia com gratidão. Portanto,não existe uma solução mágica que,se você fizer isso,de alguma forma você se tornará instantaneamente mais feliz. Praticar gratidão,exercícios regulares,estar com amigos e familiares,expressar como está se sentindo. E,também,o que mais gosto para mim é o trabalho voluntário,sinto-me muito grato por poder ajudar as pessoas. Além de meditação e leituras regulares. Então,todos esses elementos se acumulam para trazer equilíbrio e também felicidade.
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