Casa Revista de moda Obra de arte círculo social Equipamentos de saúde Notícias atuais MAIS

Celas angustiantes e canhões: conheça testemunhos dos 400 anos da Fortaleza da Ilha das Cobras, na Baía de Guanabara

2024-07-14 HaiPress

Cela de Tiradentes — Foto: Élcio Braga

Você sente falta de ar só em olhar. As celas nas prisões no período colonial no Brasil eram estreitas,escuras e úmidas,muitas vezes sem área de ventilação. Havia um buraco no chão ou balde para as necessidades. Nem à cama ou ao banho de sol o preso tinha direito. Só era possível ver alguma luz pelas grades espessas e intransponíveis da porta. Duas dessas celas preservadas,raramente vistas e de acesso proibido,e a cela onde Tiradentes passou os últimos três anos de vida foram visitadas pelo GLOBO na Fortaleza de São José da Ilha das Cobras,que completa 400 anos em outubro.

Celas angustiantes,túneis e canhões nos 400 anos da Fortaleza de São José

A Fortaleza de São José fica na parte mais alta da Ilha das Cobras,na Baía de Guanabara,entre a Praça Quinze e o Museu do Amanhã:

— Fortalezas não eram prisões,mas eram muito usadas como tal. As celas na Ilha das Cobras seguem o padrão. Logo na entrada,havia um corpo da guarda,um cômodo com janela,e do lado oposto ficava a prisão propriamente dita,bem perto dos sentinelas — observa o historiador Adler Homero,do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e maior especialista em fortificações no Brasil.

Entrada da carceragem do século XVII: presos ficavam confinados em duas minúsculas celas — Foto: Marinha do Brasil

Ponte faz ligação com o continente

É ligada ao continente pela Ponte Arnaldo Luz,que se conecta com a Avenida Rodrigues Alves,no Centro do Rio. A fortaleza engloba os comandos Geral,de Pessoal,e de Material do Corpo de Fuzileiros,o Batalhão Naval e a Companhia de Polícia. A ilha,porém,expandida com aterros,sedia outras unidades da Marinha,como o Arsenal,o Hospital Central e o Serviço de Documentação.

Mapa de localização da Ilha das Cobras — Foto: Renata Martins

Acesso rigorosamente controlado

As duas celas históricas,mesmo desativadas,não estão abertas à visitação por ficarem dentro do Presídio da Marinha,onde ficam os presos da corporação. A segurança e o acesso são rigorosamente controlados. No entanto,as duas áreas de confinamento do período colonial não são tombadas.

— Aqui na ilha a gente tem só dois bens tombados pelo Iphan. O pórtico da fortaleza,que foi feito em 1736,quando os três fortes construídos no local foram unificados,e a fachada da Capela de São José,datada do início de meados do século XVII,aC primeira efetivamente militar do Brasil — observa o capitão de corveta Esley Rodrigues,oficial encarregado do Museu do Corpo de Fuzileiros Navais.

Cela de Tiradentes

A cela onde ficou o inconfidente Joaquim José da Silva Xavier,o Tiradentes,está aberta à visitação. Fica na área do Hospital Central da Marinha,onde havia o forte mais antigo na ilha. O alferes ficou preso ali por 1.072 dias,antes de ser levado para a antiga Cadeia Pública e enforcado quatro dias depois,em 21 de abril de 1792.

— Os visitantes ficam muito impressionados de ver a cela do Tiradentes. Quem entra ali sente realmente a agonia de um presidiário da época colonial. Era algo bem austero para o presidiário só viver. Ele ia esperar um julgamento ou a morte — diz Esley.

As imagens dos 400 anos de história da Fortaleza de São José

1 de 12


Mapa da Fortaleza da Ilha das Cobras de 1713,de João Massé. Crédito: Serviço de Documentação da Marinha

2 de 12


Ilustração da Ilha das Cobras em 1765 — Crédito: James Forbes / Biblioteca Nacional

Pular

X de 12


Publicidade 12 fotos

3 de 12


Prate das muralhas da Fortaleza de São José. Foto: Revert Henrique Klumb / Biblioteca Nacional

4 de 12


Entrada da antiga carceragem do século XVII na Fortaleza de São José — Foto: Fortaleza de São José / Marinha do Brasil

Pular

X de 12


Publicidade

5 de 12


Prisão do período colonial na Ilha das Cobras — Foto: Fortaleza de São José / Marinha do Brasil

6 de 12


Pórtico de entrada da antiga Fortaleza de São José — Foto: Fortaleza de São José / Marinha do Brasil

Pular

X de 12


Publicidade

7 de 12


A fachada da Capela de São José é tombada pelo Iphan — Foto: Élcio Braga

8 de 12


Comandante Esley Rodrigues mostra a maquete com os três fortes que protegiam a cidade a partir de 1713 — Foto: Élcio Braga

Pular

X de 12


Publicidade

9 de 12


Quartel do Corpo de Fuzileiros Navais bombardeado durante a Revolta da Armada em 1894 — Foto: Reprodução / Revista Fon-Fon

10 de 12


Fotografia aérea da Ilha das Cobras — Foto: Jorge Kfuri / Serviço de Documentação da Marinha

Pular

X de 12


Publicidade

11 de 12


A Ilha das Cobras vista a partir da Orla Conde,no centro do Rio de Janeiro — Foto: Élcio Braga

12 de 12


Muralha da antiga Fortaleza de São José construída para defender a cidade do ataque de franceses e piratas — Foto: Élcio Braga

Pular

X de 12


Publicidade Fortificação foi construída para defender o Rio já nos primeiros anos de ocupação

Crime sem resposta: Após 50 anos,desaparecimento do menino Carlinhos segue sem resposta; caso é o mais antigo no Rio

O cômodo escuro possui apenas duas pequenas aberturas gradeadas no alto das paredes para circulação de ar. O prisioneiro dormia no chão.

— Os presos,quando recebiam,usavam esteiras,assim como a guarnição. Mais tarde,no século XIX havia barras (catres) de madeira,mais afastados da umidade do solo. Esse tipo de prisão foi desativado apenas no início do século XX — conta Adler.

Dá até para imaginar o angustiado alferes,já condenado,segurando as barras da cela. Na época,não existia a ideia de ressocialização. Era só castigo.

— Um prisioneiro não tinha direito a banho de sol. Dependendo das condições de prisão,podia ser preso "com o uso da fortaleza",no sentido que ficaria solto dentro da fortificação,só se recolhendo para dormir,mas não creio que fosse o caso de Tiradentes. Isso se aplicava normalmente a presos que eram autoridades,oficiais e assim por diante — assinala o historiador.

Jamil Warwar: investigador revela como desvendou o Caso Cláudia Lessin,um dos primeiros feminicídios do Rio

No entanto,não havia naquele período distinção na hora das refeições do prisioneiro.

— O padrão da alimentação dos prisioneiros era o mesmo dos soldados: três refeições,à base de carne seca,carne verde (fresca),farinha,feijão e toucinho. Há uma lei de 1828 definindo qual era a ração que tinha que ser fornecida — acrescenta Adler.

Ilha das Cobras abriga o Corpo de Fuzileiros Navais e o Arsenal de Marinha — Foto: Élcio Braga

Crime e castigo: assassinato do executivo do Bradesco Seguros desencadeou na morte da mulher e do amante

Proteção da cidade

O medo de uma invasão holandesa pairava sobre o recém-nascido Rio de Janeiro. Era o ano de 1624,e o inimigo já havia ocupado a então capital da colônia,Salvador,na Bahia. Os muros da cidade foram reforçados,no Morro do Castelo. Para defender a vila,por ordem do governador da Capitania do Rio Martim Correia de Sá,ergueu-se uma fortificação com o nome de São José,na Ilha das Cobras.

Mais tarde,o então governador Salvador de Sá determinou a construção de nova fortaleza,a de Santa Margarida,no lugar da antiga,obra concluída em 1639. Para defender a parte baixa da ilha,voltada para a Ilha do Rato (atual Fiscal),no governo de D. Álvaro da Silveira e Albuquerque,construiu-se o Baluarte de Santo Antônio,em 1709.

Crimes desvendados: de água limpa a palitos de fósforos quebrados,as pistas para um investigador elementar

Mesmo com o reforço,a fortaleza caiu nas garras do corsário francês René Duguay-Trouin,em 1711. O invasor ameaçou incendiar a vila de 12 mil habitantes e exigiu um alto valor como resgate. Muitos moradores se refugiaram no interior. O drama terminou quando Duguay-Troin recebeu 600 quilos de ouro e outros produtos,deixando o Rio para trás.

— Quando Portugal retomou a ilha,construiu-se uma outra fortificação,o Forte do Meio (Pau da Bandeira). Quando os fortes foram unificados em 1736,adotou-se o nome de Fortaleza do Patriarca São José da Ilha das Cobras. Esse nome foi alterado só no século XIX para Fortaleza de São José da Ilha das Cobras — explica o comandante Esley.

A Ilha das Cobras era uma posição estratégica para dominar a cidade,o que incentivou a ampliação da presença dos militares. Em 1910,após negociação com a ordem,a Marinha assumiu a ilha por completo.

— A fortaleza da Ilha das Cobras era extremamente importante. Defendia o ancoradouro principal da cidade: o poço situado em frente à Praça Quinze,entre as ilhas de Villegagnon e das Cobras. O Espaço Cultural da Marinha ocupa o que eram as Docas da Alfândega,logo atrás da Alfândega,que é a Casa França-Brasil. Passava por ali tudo o que era importado e exportado pelo Rio de Janeiro,o principal porto do país até o século XX — conta Adler Homero.

Segredos do Crime: Socialite Regina Gonçalves,antes de se casar,matou homem que invadiu mansão do então noivo rico

O próprio Duguay-Troin utilizou a ilha para subjugar o Rio. Fatos históricos posteriores demonstraram a grande vantagem para quem a dominasse durante um conflito.

— O corsário Duguay-Troin construiu uma bateria no local para bombardear a cidade,e aconteceria de novo na Revolta da Armada,em 1893 e 1894,e na Revolta dos Marinheiros,em 1910,quando os rebeldes instalaram canhões dos fuzileiros navais para bombardear o Centro — diz Homero.

Caso Anic: entenda a trama por trás do sequestro da advogada desaparecida

Comandante Esley Rodrigues caminha por túnel usado pelos soldados sobretudo durante ataque inimigo nos séculos XVII e XVIII — Foto: Élcio Braga

Nome da ilha

Em sua obra,o monge e historiador beneditino dom Clemente Maria da Silva-Nigra,que morreu em 1987,explicou que o nome da ilha se deve mesmo ao grande número de cobras ali encontradas no início de sua ocupação.

Disputa milionária: Oito irmãos,filha e sobrinho brigam por herança de R$ 100 milhões de lavrador que ganhou Mega-Sena e foi assassinado a tiros

Os franceses a chamavam,de Ilha das Cabras,mas segundo o comandante Esley Rodrigues,seria apenas devido a uma questão fonética. Nos mapas dos invasores,a ilha era denominada como "das Cobras".

— No início,era a Ilha da Madeira quando havia sido passada como sesmaria. Depois virou entreposto de escravizados com o mesmo nome. Ilha das Cobras passou a ser a designação quando os monges beneditinos já a ocupavam,a partir de 1589 — conta Esley.

Atrativos da fortaleza

Nos 400 anos da Fortaleza de São José,na Ilha das Cobras,uma nova invasão já é esperada. Só que desta vez serão visitantes. O Museu dos Fuzileiros Navais passa por uma reforma e terá maior área de exposição,como a transformação da antiga cisterna em sala de exposição. Alguns eventos estão sendo preparados para comemorar a data histórica em outubro.

— A data certa ainda não definimos,mas teremos uma grande festa,com um show de luzes e apresentação da Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros — revela o comandante Esley Rodrigues.

Alerta vermelho na Mata Atlântica: aumento de incêndios ameaça bioma fragilizado

A Ilha das Cobras fica em frente ao Centro do Rio. No passado,era posição estratégica para a defesa da cidade — Foto: Google Earth

A Brigada Real da Marinha,que originou o atual Corpo de Fuzileiros Navais,passou a ocupar a Ilha das Cobras no início do Século XIX.

— A Fortaleza de São José representa uma das poucas fortalezas do período colonial que ainda funcionam como organização militar. É considerada o solo sagrado do Corpo de Fuzileiros Navais,desde seu retorno da vitoriosa campanha de Caiena,na qual nossas forças derrotaram as tropas de Napoleão,em 1809 — disse o comandante geral do Corpo de Fuzileiros Navais,almirante de esquadra Carlos Chagas.

Devo,não nego: Governo do Rio atrasa repasses da saúde a cidades,mas promete pagar o que for obrigatório até o fim do ano

Além da cela de Tiradentes,outra atração são dois túneis utilizados pelos soldados para se locomoverem entre as fortificações,sobretudo durante ataque inimigo. Esley Rodrigues reconhece que o fato de o museu e o sítio histórico ficarem dentro de uma unidade militar possa inibir a visitação. Na página da Marinha,o interessado tem todas as informações para agendar a visita pelo telefone (21) 2126-5053. É o passaporte para uma viagem no túnel do tempo do Rio de Janeiro.

Declaração: Este artigo é reproduzido em outras mídias. O objetivo da reimpressão é transmitir mais informações. Isso não significa que este site concorda com suas opiniões e é responsável por sua autenticidade, e não tem nenhuma responsabilidade legal. Todos os recursos deste site são coletados na Internet. O objetivo do compartilhamento é apenas para o aprendizado e a referência de todos. Se houver violação de direitos autorais ou propriedade intelectual, deixe uma mensagem.

Mais recentes

Impunidade na veia

Por que famosas estão recorrendo à harmonização íntima? Entenda os motivos por trás da decisão

Ian Bremmer: Nos 100 dias de segundo mandato, Trump 2.0 desata Brexit global com instituições em xeque

Furtos de obras de arte: o passo a passo do crime que levou o fundador da Hurb à prisão, segundo a polícia

Queda de católicos na América Latina apesar de papado de Francisco será desafio para futuro Pontífice

STJ barra novo recurso da Fifa em disputa contra empresa brasileira sobre 'spray de barreira'

© Direito autoral 2009-2020 Capital Diário de Lisboa    Contate-nos  SiteMap