'A Grande Crítica': obra do artista chinês Wang Guangyi no museu M+,em Hong Kong — Foto: Marcelo Ninio
GERADO EM: 20/08/2024 - 04:30
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Num prédio decadente de uma área sem muito glamour em Hong Kong,um espaço silencioso no terceiro andar oferece algo que virou artigo de luxo e risco na antiga colônia britânica: livros sem censura. Os donos da Book Punch pedem discrição sobre a identidade dos frequentadores,para evitar problemas além dos habituais. Nos últimos anos,livrarias independentes tornaram-se o principal bastião da liberdade de expressão de Hong Kong.
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Algumas foram fechadas,outras resistem a duras penas. A Book Punch surgiu em outubro de 2020,três meses depois de Pequim aprovar a Lei de Segurança Nacional,que mudou drasticamente o clima em Hong Kong. Imposta em reação aos protestos contra o governo de 2019,a lei endureceu o jogo contra quem é acusado de atos classificados como “subversão,traição e secessão”,incluindo penas severas que podem ir até a prisão perpétua.
Com os protestos de rua abafados,as livrarias viraram foco de resistência e também de vigilância das autoridades. Em março,a Mount Zero,uma das mais populares,fechou as portas vencida pelo cansaço,após uma série de advertências por pequenas infrações. Nesse clima de pressão,outras tiveram o mesmo desfecho. Estimulados pelo governo a denunciar “ações subversivas”,vizinhos dão queixa e a barra pode pesar,me contaram na Book Punch.
Fiscais olham os livros e acabam achando alguma irregularidade,como uma falha no sistema anti-incêndio. A pressão também recai sobre os proprietários dos imóveis,que às vezes cancelam os aluguéis ou aumentam a locação a valores inviáveis. Mas os livreiros independentes resistem,mesmo que precisem se instalar em locais inusitados para escapar do aluguel salgado e do assédio. É o caso da pequena The Book Cure,escondida nos fundos de um mercadão que vende de tudo. Venha encontrar alimentos para o corpo e a alma,convida a sorridente proprietária.
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No próximo mês,completam-se dez anos da “Revolução dos Guarda-Chuvas”,que paralisou de forma pacífica a região central de Hong Kong por 79 dias. Foi uma versão prévia e romântica dos protestos que sacudiram o território cinco anos depois e levaram a liderança comunista em Pequim a dar um ponto final na história,impondo a Lei de Segurança. Joshua Wong,um dos líderes do movimento pró-democracia,tinha 17 anos em 2014,quando ainda cultivava uma ilusão.
Acampado em frente à sede do governo em 2014,ele me disse que estava otimista sobre as chances de êxito do protesto,e que confiava no sistema legal de Hong Kong para proteger seu direito à livre expressão. Em 2019,no auge da nova onda de protestos,voltamos a nos falar,e ele continuava confiante. Wong virou tema de documentário da Netflix e capa da revista Time. Mas a projeção mundial não o protegeu da nova lei (e talvez tenha piorado sua situação). Foi parar na prisão,onde está até hoje,sem perspectiva de sair.
Quem chega a Hong Kong hoje sem ter conhecido como era antes possivelmente não sentirá o impacto das mudanças ocorridas desde 2014. A cidade preserva um encanto que vem do encontro entre Ocidente e Oriente,mar e montanha,luxo e lixo. Mas para os que vivenciaram os protestos de 2014 e 2019,a diferença é enorme: agora existe o medo de se expressar livremente,sob o risco de serem enquadrados como subversivos ou traidores e acabarem na cadeia. Para evitar o pior,milhares deixaram o território.
Apesar do perigo,os livreiros persistem.
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