Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes,na Maré — Foto: Redes da Maré / Douglas Lopes
GERADO EM: 29/08/2024 - 04:31
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As sucessivas operações policiais na Maré,na Zona Norte do Rio,têm afetado a rotina de aulas de cerca de nove mil alunos da rede pública. Nessa quarta-feira,a região chegou ao décimo dia consecutivo de escolas fechadas,afetando cerca de 20 unidades. A situação se tornou tão crítica que o Ministério Público Federal deu prazo de 48h para a prefeitura e o governo federal se posicionarem a respeito da continuidade das operações,voltadas para a destruição de um condomínio suspeito de ser erguido pelo tráfico. Em meio a essa realidade,a ONG Redes da Maré divulgou um relatório sobre a educação nas 16 comunidades que a compõe. Entre as conclusões,está a necessidade de construção de mais escolas,principalmente de ensino médio,e de uma política de segurança que não interfira no aprendizado.
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Ao lado do condomínio em demolição,no Parque União,está o Ciep Professor Cesar Pernetta,da rede estadual,uma das quatro unidades que oferece ensino médio na região. O centro integrado tem 1.123 alunos,segundo a secretaria Estadual de Educação (Seeduc),que estão sem aula desde o dia 19 de agosto. Aline Brito,orientadora educacional do colégio,afirma que é a primeira vez,em 20 anos de trabalho na instituição,que as portas ficam fechadas por tanto tempo.
— A culpa pela falta de aulas não é da escola,não é da diretora,e sim de uma política de segurança que só cria insegurança na localidade. Por mais que exista permissão para o retorno das aulas,quem vai deixar o filho vir sabendo que tudo pode acontecer? Eu recebo ligação,mensagens de alunos perguntando quando as coisas vão voltar ao normal,e é difícil não ter resposta. A escola não é só lugar para cumprir currículo,assistir às aulas,é um espaço de socialização,de contato,de afeto,e são duas semanas sem vivenciar isso — afirma.
Ao todo,a Maré tem 49 unidades de ensino,45 municipais e quatro estaduais — dois colégios próprios e dois híbridos,cujo funcionamento é dividido com a rede municipal. Apesar da quantidade parecer elevada,o relatório da Redes da Maré expõe uma insuficiência entre esse número e o total de alunos. Segundo o Censo Populacional da Maré,feito com base no Censo 2010 do IBGE,há 33.407 crianças e adolescentes em idade escolar na região,mas apenas 19.537 estão matriculadas em escolas locais. Não é possível saber,contudo,se o deficit de alunos é pela evasão ou pelo estudo fora do bairro.
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Entre as unidades municipais,há seis creches e 23 escolas. Dessas,apenas cinco oferecem ensino do 6° ao 9º ano,os chamados “anos finais” do fundamental,e estão concentradas em três comunidades. Em todos esses segmentos há insuficiência de vagas,segundo o relatório. Na favela Salsa e Merengue,por exemplo,próxima à Ramos,há 1.986 crianças,entre 6 meses e 3 anos e 11 meses,à espera de vagas nas turmas de berçário e maternal. Na Nova Holanda,a fila tem 104 crianças de mesma faixa etária.
Parte central do relatório é a necessidade de mais unidades com ensino médio para atender ao público adolescente da comunidade. Segundo a Redes,do total de 7.162 jovens de 15 a 18 anos,apenas 2.267 estão matriculados na Maré. Além disso,não há unidades federais no território,assim como há falta de ensino profissionalizante e tecnológico de jovens e adultos,como Faetec,Senai e Senac. Segundo a Seeduc,apesar do número reduzido de colégios estaduais,não há fila de espera na região.
Quando se observar toda a rede de ensino,o relatório aponta para um desenho de “pirâmide invertida”: a base,composta por crianças de 0 a 10 anos,tem cerca de 11 mil alunos; o meio,com adolescentes de 11 e 14 anos,tem 4.706; enquanto o topo,com jovens de 15 a 17 anos,tem 2.267. Os dados são referentes ao Censo Escolar de 2023.
— A diferença entre o número de alunos nos anos iniciais do fundamental e daqueles dos anos finais é gritante. Não há número suficiente de escolas dos 6° aos 9° anos,e os alunos podem ter parado de estudar ou estão em escolas fora da Maré. Além disso,existe uma dinâmica territorial que impede a livre circulação no território,principalmente de meninos adolescentes,e isso também afeta a permanência nas escolas — reforça Andréia Martins,diretora da Redes da Maré.
Em nota,a secretaria Municipal de Educação informou que “não existe fila para atendimento no ensino fundamental nem em pré-escola na cidade do Rio”,e que na região da Salsa e Merengue há 265 crianças na fila para creche,número que diverge do apresentado pela Redes da Maré. O órgão,não comentou sobre a necessidade de ampliação das unidades que oferecem anos finais do ensino fundamental,tão pouco sobre a perda de aulas devido a operações policiais. Já a secretaria Estadual de Educação avisou que “está no planejamento a expansão de unidades escolares” na Maré,e que “todo o conteúdo perdido devido às operações será reposto”.
Durante o seminário de lançamento do relatório,na terça-feira,discutiu-se sobre o impacto da violência armada na educação da Maré. Somente este ano,foram 29 dias sem aula e 30 operações na região.
Uma pesquisa paralela feita pela instituição,em parceria com o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favela e Espaços Populares (NEPFE),da UFF,revelou que 82% dos alunos da Maré acreditam que a violência armada impacta a vida na escola. O estudo ouviu 84 crianças e adolescentes da rede pública,que responderam a um questionário sobre o contexto de insegurança nas comunidades.
Além disso,cerca de 83% responderam que a violência impacta porque os alunos sentem medo de ir para a escola. Os alunos também entendem que há interferência na saúde mental: 78% consideram que a violência impacta na perda da concentração,62% que gera estresse e 61% que provoca ansiedade.
Para Andreia Martins,o contexto de violência impede os alunos de terem acesso aos seus direitos,principalmente a uma educação de qualidade.
— A falta de segurança pública é algo que coloca em questão a efetividade de outras políticas públicas,e atrapalha a existência dos direitos dos moradores. A gente defende que estudantes e profissionais de educação tenham o direito de convivência em escolas seguras,onde possam experienciar processos de ensino e aprendizagem criativos e sem preocupações com interrupções intempestivas. Que as famílias se sintam seguras ao deixar seus filhos nas escolas,antes de irem para o trabalho. Que os quase 20 mil alunos matriculados nas escolas públicas na Maré sejam vistos pelos gestores públicos,assim como são vistos alunos de outras escolas da cidade consideradas de áreas “não conflagradas”.
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