Papa Francisco abençoa criança enquanto deixa Jacarta,na Indonésia,com destino a Papua Nova Guiné,em tour pelo Pacífico — Foto: Vaticano
GERADO EM: 07/09/2024 - 04:30
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As expectativas eram altas para a recepção de Papa Francisco em Papua Nova Guiné na noite de sexta-feira: crianças carregando flores,uma salva de 21 tiros e uma vigília à luz de velas aguardavam o Pontífice. É a primeira visita papal em três décadas às ilhas do Pacífico — uma região profundamente cristã,mas que desempenhou um papel pouco conhecido no escândalo de abuso do clero que manchou a imagem da Igreja Católica Romana.
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Ao longo de várias décadas,pelo menos 10 padres e missionários se mudaram para Papua Nova Guiné depois de supostamente terem abusado sexualmente de crianças — ou de terem sido descobertos abusando — em países do Ocidente,de acordo com registros judiciais,investigações do governo,testemunhos de sobreviventes,reportagens da mídia e comentários de autoridades da Igreja.
Os homens integram um padrão ainda mais amplo: pelo menos 24 outros padres e missionários deixaram a Nova Zelândia,a Austrália,o Reino Unido e os Estados Unidos para países insulares do Pacífico,como Fiji,Kiribati e Samoa,em circunstâncias semelhantes. Em ao menos 13 casos,seus superiores sabiam que esses homens haviam sido acusados ou condenados por abuso antes de serem transferidos,de acordo com registros da Igreja e relatos de sobreviventes,e foram protegidos do escrutínio.
Não faltam documentações de que a Igreja protegeu dezenas de padres de serem punidos pelas autoridades,transferindo-os para outros lugares,às vezes países. Mas o que diferencia esses casos é a distância das ilhas em que foram parar,dificultando que fossem perseguidos pelas autoridades. As realocações também deram aos homens acesso a comunidades vulneráveis,onde padres são considerados irrepreensíveis.
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Notavelmente,pelo menos três desses homens,de acordo com investigações do governo e relatos da mídia,continuaram a abusar de novas vítimas no Pacífico.
A maioria se mudou ou serviu em 15 países e territórios da região na década de 1990,mas um deles ainda serve como padre itinerante em Guam,um território americano,e outro retornou à Nova Zelândia,onde foi autorizado pela igreja a voltar ao ministério. Ambos negam as alegações de abuso.
Christopher Longhurst,porta-voz na Nova Zelândia da Rede de Apoio a Sobreviventes de Abuso por Padres,disse que a organização planeja pressionar o Papa sobre o deslocamento dos padres para o Pacífico durante sua visita a Papua Nova Guiné.
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A próxima parada do Pontífice será o Timor Leste. Em 2022,o Vaticano puniu o bispo Carlos Ximenes Belo,um herói do movimento de independência do país,devido a alegações de que ele havia estuprado e abusado de meninos adolescentes décadas atrás.
Francisco apresentou uma série de desculpas pelo escândalo global de abuso sexual da Igreja. Ele ordenou que o clero relatasse as alegações e encobrimentos e emitiu um amplo pedido de desculpas a todos os católicos. Mas as soluções que ele ofereceu,segundo sobreviventes e críticos,estão muito aquém de suas palavras.
Michelle Mulvihill,ex-freira e conselheira da Igreja Católica australiana,há muito tempo acusa as organizações católicas de usar as ilhas do Pacífico como um “depósito de lixo” para padres abusivos.
Em Fiji,uma das primeiras acusações públicas de abuso contra um padre foi feita em 2022. Foi o caso de Felix Fremlin,que disse ter sido abusado quando criança por missionários neozelandeses que trabalhavam na ilha. Seu pai não acreditou em suas acusações e,em vez disso,o espancou.
— Se você diz algo contra a igreja,é como dizer algo contra Deus — disse Fremlin,que agora está afastado de muitos membros da família e sofre de depressão.
A correspondência entre seu advogado e as autoridades católicas mostra que Fremlin chegou a um acordo monetário com a igreja.
Por outro lado,Peter Loy Chong,arcebispo de Suva,capital de Fiji,disse que não tinha registros de padres abusivos transferidos para sua arquidiocese. Mas,segundo Mulvihill,esses casos são possíveis devido à forma como a igreja é organizada. Muitos dos padres e irmãos acusados pertenciam a ordens religiosas católicas que deveriam ser supervisionadas por seus próprios superiores,e não por bispos e arcebispos diocesanos.
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Outros eram padres que pertenciam a dioceses católicas e,portanto,precisavam da aprovação individual dos bispos locais antes de se mudarem. Mas,muitas vezes,afirma Mulvihill,os bispos “provavelmente não faziam perguntas” quando os colegas solicitavam transferências para esses homens.
— Não há verificação — disse ela. — Isso se tornou normalizado.
Cada ordem e diocese se reporta,em última instância,ao Vaticano. Matteo Bruni,porta-voz do Vaticano,disse que não tinha conhecimento dos casos e alegou que seria inapropriado comentar sobre eles porque ele não conhecia as especificidades de cada um. Ele enfatizou o “compromisso de Francisco de garantir que os abusos nunca sejam tolerados” e encaminhou o New York Times para as dioceses e ordens individuais.
O Times solicitou comentários das ordens ou dioceses de todos os 34 homens. Muitas não responderam,e algumas se recusaram a comentar. A maioria que respondeu disse que não tinha nenhum registro dos homens ou que recebeu denúncias de abuso somente depois que voltaram para o exterior.
Vinte e dois desses padres e missionários foram condenados por abuso,admitiram as alegações,ou foram considerados acusados com credibilidade por suas ordens religiosas ou dioceses. Quatro outros morreram antes que as alegações contra eles se tornassem públicas.
Três dos homens,que negaram as alegações de abuso,foram investigados pela polícia,mas não foram levados a julgamento devido a problemas de saúde ou de aptidão mental. Os promotores acusaram outros três homens que também negaram as acusações de abuso,mas o primeiro morreu antes do julgamento,o caso do segundo foi suspenso por um juiz por motivos processuais e o caso do terceiro foi suspenso por motivos que não estão claros. A diocese desse padre não respondeu às perguntas. Os dois restantes,que estão agora em Guam e na Nova Zelândia,negam as alegações de abuso e não enfrentaram acusações dos promotores.
O irmão Gerard Brady,chefe de uma ordem da Oceania,os Irmãos Cristãos,pediu desculpas e disse: “Reconhecemos que algumas respostas passadas ficaram muito aquém dos processos e padrões que estão em vigor hoje para proteger as crianças”.
Em Fiji,Fremlin agora coordena uma rede de apoio para sobreviventes de abuso clerical,a maioria dos quais mantém suas experiências em segredo. Todos “têm problemas de casamento,problemas de emprego”,disse ele.
— Alguns são violentos com as mulheres,outros têm problemas com drogas — relatou. — No exterior,você tem especialistas. Aqui em Fiji,não temos ninguém. O único aconselhamento que recebemos é quando sentamos e conversamos uns com os outros.
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