Casal de passarinhos — Foto: Unsplash
GERADO EM: 09/09/2024 - 04:30
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Sexta-feira passada foi o Dia do Sexo,uma excelente oportunidade para eliminar mitos. Provavelmente,o maior deles é de que machos são naturalmente promíscuos e fêmeas,naturalmente monogâmicas. Nesta coluna,já contamos a história das passarinhas promíscuas. Há também diversas espécies de mamíferos com fêmeas promíscuas. Uma leoa no período fértil pode fazer sexo até cem vezes,com machos diferentes,em apenas alguns dias.
O mito do macho promíscuo e da fêmea recatada surgiu de uma especulação de Charles Darwin para explicar coisas como a cauda vistosa dos pavões machos. Para Darwin,a única explicação possível seria que os machos disputam o favor de uma fêmea desinteressada. Dentro do contexto vitoriano,dá para entender a ideia de Darwin.
Mesmo os primeiros estudos em pássaros e mamíferos que apontavam o comportamento promíscuo das fêmeas como uma estratégia evolutiva racional,com vantagens como confundir o macho,evitando infanticídio,e aumentando a diversidade genética da prole,sofreram resistência ou foram mal interpretados. Afinal,vai que as fêmeas de Homo sapiens começam a ter ideias?
O mito da fêmea “programada pela evolução para a fidelidade” ganha força na década de 1940,quando o botânico Angus Bateman divulga seu famoso experimento com moscas de fruta. Bateman aproveitou o fato de que moscas de fruta são fáceis de manipular. Fazendo cruzamentos e examinando a prole,o pesquisador mostrou que o sucesso reprodutivo dos machos,medido em número de filhotes,crescia de acordo com o número de parceiras sexuais. Já para fêmeas,o sucesso alcançava o nível máximo quando se limitavam a um único parceiro.
Na década de 1970,o biólogo Robert Trivers formulou a teoria do “investimento parental”. Segundo Trivers,o espermatozoide é pequeno,vem em enormes quantidades,e é “barato” (biologicamente). Já o óvulo é grande,vem em pequenas quantidades,e custa caro para o corpo. A teoria ficou conhecida como o paradigma do “esperma barato/óvulo caro”,e foi usada para argumentar que o comportamento promíscuo é “natural” para o homem,mas não para a mulher.
O problema desta teoria,além de ser desmentida na natureza,já que a promiscuidade é uma estratégia evolutiva de sucesso tanto para machos quanto para fêmeas de diferentes espécies,dependendo da situação,é que se baseia em uma premissa falsa.
A pesquisadora Patricia Gowaty tentou replicar o trabalho das moscas recatadas,e encontrou várias falhas. Havia casos em que as fêmeas promíscuas tinham mais sucesso reprodutivo,por exemplo.
Mas o pior de tudo foi a interpretação de Trivers,que chegou a afirmar que,no experimento de Bateman,as fêmeas pareciam desinteressadas em copular mais do que uma vez ou duas,sendo que Bateman nunca observou esse suposto “desinteresse”. Além disso,outro cientista,o pesquisador Tim Birkehad,notou que,na espécie de mosca usada por Bateman,a fêmea mantém o esperma armazenado em seu corpo por até quatro dias,que foi a duração do experimento; qualquer “perda de interesse” da fêmea em sexo poderia ser explicada por esse período de armazenamento. Se tivesse usado outra espécie,ou aumentado o tempo de observação,os resultados poderiam ter sido diferentes.
Cientistas são,como todo ser humano,produtos de sua época e contexto cultural. Darwin,Bateman e Trivers enxergaram o que queriam enxergar,de acordo com o senso comum do período em que viveram. Hoje,sabemos que houve falhas experimentais e interpretativas,e temos muito mais conhecimento de zoologia e uma melhor compreensão das diferentes estratégias reprodutivas. E sabemos também que sexo,como atividade,é muito mais do que reprodução: cumpre também funções sociais e psicológicas. Espero que o leitor (ou leitora) tenha comemorado o Dia do Sexo sem estigmas e rótulos.
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