Eleitores aguardam na fila de seção de votação perto da Rocinha. — Foto: André Borges / AFP
A escolha de prefeitos termina como começou: com muita emoção e uma vasta incerteza. Em dez das 15 capitais,a eleição está bem apertada. Qual é a chance de uma virada em relação à ordem dos candidatos que foram para o segundo turno? Baseado em dados,Felipe Nunes,da Quaest,diz que em 20 anos,houve virada em 26% das disputas,uma a cada quatro. E onde chover? Aumenta a abstenção,principalmente dos mais pobres e dos mais velhos,elevando a dúvida sobre o resultado.
A imprevisibilidade faz bem à democracia. As urnas trazem recados novos. Os jovens estão mais conservadores,as mulheres têm inclinações políticas diferentes das dos homens,a direita fraturou-se de olho em 2026,a esquerda precisa pensar no seu destino,os evangélicos começam a não querer ser um rebanho eleitoral e a abstenção continua sendo uma variável importante.
A análise dos segmentos eleitorais é reveladora. Muitas pesquisas informaram que o eleitorado jovem,de 16 a 34 anos,na Quaest,ou 16 a 24 anos,no Datafolha,dava maioria das intenções de votos a candidatos conservadores. Em São Paulo,na última semana,Guilherme Boulos,do PSOL,ganhou pontos nesse eleitorado e,chegou a passar Ricardo Nunes. Por razões etárias,eles são os eleitores que terão mais encontros com as urnas nas próximas décadas,e essa inclinação de voto na direita pode ser apenas uma onda ou representar um risco grave,porque parte da direita está dominada pelo pensamento antidemocrático,antiambiental e contra a vacina. Se forem esses os valores da maioria da juventude,o país está bem encrencado.
Em 2022,abriu-se uma divergência entre a maioria do voto feminino em Lula e a maioria do voto masculino em Bolsonaro. Em 2024,isso se aprofundou. Nas cidades em que o segundo turno está sendo da direita contra a direita,elas preferem a mais moderada e eles,a mais extremada. Felipe Nunes chama isso de polarização de gênero,acha que veio para ficar e credita o fato às mudanças sociais das mulheres,mais independentes,mais capazes de denunciar agressões e mais donas do próprio dinheiro.
A briga da direita é um fenômeno bem interessante,porque foi provocada,em grande parte,pelas decisões de Jair Bolsonaro de atacar o governador Ronaldo Caiado e desagradar o governador Ratinho Jr,entre outros políticos do seu próprio campo com ambições eleitorais. Caiado disse que vai concorrer ao Planalto em 2026 e Ratinho foi apontado como candidato pelo presidente do PSD,Gilberto Kassab. Divisão na direita é tão velha quanto o Arena I e Arena II,dos tempos da ditadura,mas desta vez é curioso porque o mais inteligente para Bolsonaro seria tentar unir a direita para se fortalecer,em vez de entrar em disputa extemporânea com seus aliados. Ele conseguiu desagradar até a sempre fiel Tereza Cristina,que lhe pediu,em vão,apoio à candidata dela em Campo Grande. Bolsonaro sonha com o nome dele na urna de 2026,mas pode estar na lista de moradores de algum presídio. Os inquéritos em que é investigado estão chegando ao fim.
A esquerda chega nessa eleição com muitas derrotas e alguma esperança. Acreditava que,por ser portadora do sonho de justiça social,naturalmente arrastaria multidões,mas desentendeu-se com o mundo atual. Durante a prisão de Lula,o PT foi mais para a esquerda,para resistir na porta do presídio. Naquele tempo era o que ele tinha a fazer. Mas perdeu o rumo,a chance de renovação e o diálogo com partes da sociedade. Hostilizou potenciais aliados e gastou munição em brigas internas. Em 2022,foi beneficiado pelo repúdio a Bolsonaro,mas precisa buscar o centro. Encastelado,vai continuar encolhendo.
Os evangélicos têm sido vítimas de abuso do poder religioso. Pastores agem como os coronéis do voto da época do curral eleitoral. Interessante observar o fenômeno iniciado por algumas lideranças que apontaram o erro doutrinário da adoração ao “mito”. Esse “culto” afronta o primeiro mandamento “Não terás outros deuses”. A ver se haverá distância entre púlpito e palanque,em religiões que começaram há 507 anos com a separação entre Igreja e Estado.
A abstenção é uma decisão. O não-voto é voto. Mas ele desafia os democratas a pensar em formas de aumentar o interesse do eleitor nas escolhas cívicas. O maravilhoso na democracia é essa inquietude que ela provoca. As urnas sempre trazem um espelho no qual o país se olha e tentar se entender.
Com Ana Carolina Diniz
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