Geriatra já vendeu mais de um milhão de livros no Brasil — Foto: Ana Branco
GERADO EM: 13/11/2024 - 20:00
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A certa altura de seu novo livro,“Cuidar até o fim: Como trazer paz para a morte” (ed. Sextante),a médica geriatra Ana Claudia Quintana Arantes reconhece: “Morrer,meus amigos,é algo que dá trabalho”. Um dos desafios é justamente encarar a finitude de frente,já que ignorá-la só torna as coisas mais difíceis — tanto para quem vai quanto para quem fica. Por isso,o título é especialmente voltado a quem cuida. “Quando alguém está muito doente,você tem a chance de mostrar o seu melhor a essa pessoa. Afinal,demonstra o quanto se importa com alguém que não vai poder lhe devolver isso”,diz a médica,que já publicou quatro livros e vendeu mais de um milhão de cópias no Brasil.
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Ana Claudia escolheu a medicina diante do desejo de melhorar a vida de familiares adoecidos,como a avó,que faleceu justamente no dia da sua formatura. Logo nas primeiras experiências profissionais,descobriu que muitos pacientes não recebiam um tratamento digno diante da morte e começou a pesquisar o tema,àquela altura,pouco debatido no Brasil. Especializou-se em cuidados paliativos pelo Instituto Pallium,na Argentina,e pela Universidade de Oxford,no Reino Unido.
Também fundou a Casa do Cuidar,onde coordena cursos de formação na área,enquanto corre universidades com palestras ministradas para auditórios abarrotados. “A educação é o caminho para a transformação”,defende a médica,cuja projeção ajuda a difundir ideias sobre como a morte pode ser encarada com menos sofrimento,livre de preconceitos. Afinal,ela afirma na entrevista a seguir,a finitude tem muito a nos ensinar.
O GLOBO — No livro,você fala sobre o quanto é equivocada a ideia de que reconhecer a proximidade do fim o acelera. Por que a morte ainda é um tabu?
ANA CLAUDIA QUINTANA ARANTES — Tem a ver com a ideia de que falar sobre coisa ruim acaba atraindo aquilo. Aí você prefere viver a tal coisa ruim e,quando ela chega,não se preparou. Costumo dizer que falo sobre isso há 30 anos e não morri ainda. O problema é que,quando falamos da morte,somos obrigados a olhar direito para as nossas vidas,e é disso que as pessoas têm medo.
O que acontece quando as pessoas próximas ignoram a iminência da morte de um paciente?
Elas sofrem. O tempo do adoecimento nos permite refazer a relação. Se o seu pai está morrendo,por exemplo,você tem que descobrir onde ele está dentro de você. Se fizer isso enquanto ele está vivo,ele pode ajudar no processo.
O que jamais devemos fazer diante de alguém que está próximo da morte?
Uma das piores coisas é não enxergar que a pessoa está morrendo. Você olha para a tragédia que ela está vivendo,mas não para ela. Ao agir assim,não reconhece que ali existe uma pessoa viva ainda. É inapropriado falar coisas como “você vai ficar bom” ou “vai dar tudo certo”. Devemos perguntar: “E aí? Me ensina como ser tão corajoso quanto você?”; “Posso passar o dia contigo?”. Aquela pessoa está terminando a biografia dela. Quando finalizamos uma coisa,queremos fazer isso bem.
Ignorar a morte torna a relação com a finitude mais difícil,diz médica — Foto: Ana Branco
É possível agir mesmo quando restam horas?
Sim. Quando minha mãe morreu e cheguei ao hospital,ela havia parado de respirar. Então,disse: “Mãe,estou aqui!”. Ela me olhou,deu um sorriso e o último suspiro. A última lembrança que tenho da minha mãe,portanto,é ela sorrindo para mim. O que isso mostra para quem fica? Que essa pessoa foi cuidada e teve a biografia respeitada. Era importante para ela ter a família toda por perto.
Ter essa clareza diante de alguém que está morrendo nos ajuda a lidar com a própria finitude?
Claro! Ao assistir alguém morrer,podemos aprender como queremos que seja conosco.
Você demonstra,no livro,o quanto o luto é particular. Ainda assim,é possível aconselhar alguém que passa por isso?
Cada rompimento depende da qualidade do vínculo. O que faz você atravessar a dor mais tranquilamente é a qualidade do amor que viveu. Se amou muito aquela pessoa,vai doer bastante,mas você atravessa mais fácil. Quando é uma relação ambígua,é mais trabalhoso. E o tempo interno que temos não é o mesmo do relógio.
Qual a principal lição de vida dada pela morte?
Acho que,se a morte pudesse nos dizer uma palavra,seria: “Viva!”. O que você faz hoje é consequência do que escolheu. Então,viva as consequências disso. E aí,se quiser fazer diferente,siga por outro caminho.
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