Movimentação no Cadeg na véspera do Natal — Foto: Alexandre Cassiano
GERADO EM: 08/01/2025 - 21:44
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Oh,gente... que alegria estar com vocês no Natal! Eu continuo amando essa data festiva,continuo achando da maior importância,apesar de tudo. Apesar da exaustão,do capitalismo,das saudades dos que partiram,eu celebro. “Ainda assim eu me levanto”,como escreveu Maya Angelou.
Ontem,o rádio do carro do motorista que apanhei trazia a entrevista de um homem angolano que,pelo curto trajeto,nem deu tempo de eu saber o nome. A apresentadora o perguntou sobre as expectativas para o Natal e o Ano Novo.
Ele respondeu que tinha poucas,que Natal era festa para as crianças. Segundo ele,as crianças têm a bênção de se alegrarem com pouco e conseguirem esquecer com mais facilidade as dificuldades do ano,vivendo o momento presente,sem preocupação com as contas que viriam em janeiro.
Eu sou mesmo uma criança,talvez porque eu ainda guarde as memórias dos natais da minha infância em família e viva por essas memórias. Em dezembro,nossa tradição era fazer compras na Saara,eu,minha mãe e minha irmã.
Eu daria um braço para ouvir minha mãe reclamando mais uma vez da correria,do calor,da multidão,do preço das coisas. E ter minha irmã ao lado,me ajudando a escolher a roupa,na nossa intenção silenciosa para parecer muito diferente uma da outra,enquanto,se dependesse da minha mãe,ela nos vestiria como se fôssemos gêmeas.
Na ceia,claro que havia a hora da confusão e gritaria. Eu acho que as histórias familiares — de todas as famílias — são cercadas de muitos não ditos e,nessas datas,todo mundo quer gritar o que está guardado,às vezes sufocando.
Mas tinha também muito amor,samba e comida,tinha as crianças crescendo saudáveis,tinha a minha avó envelhecendo,tinha a permanência da vida. Tinha um tempo mais alargado,não tinha hora para dormir ou acordar,comer era quando se tinha fome. Eu,que depois um pouco mais velha fiquei com a missão de registrar em foto e vídeo as festas de fim de ano,tive a sorte de assistir a minha família pela janela do sonho. Talvez eu tenha romantizado tudo,mas prefiro assim.
E tinha uma outra coisa linda: o banho de fim de ano. Todos os anos minha avó ou minha mãe apanhavam três ou quatro garrafas de um banho para abrir os caminhos,e deveria ser tomado por toda a família. O banho vinha de uma casa de umbanda que não era “a nossa” e eu,como criança fofoqueira (e macumbeira),ficava bem atenta. Não sei o que tinha,mas sei que era o líquido com o melhor cheiro do mundo.
Todos os anos,eu tomava o banho normal e depois minha mãe trazia um balde com o líquido e dizia para eu jogar na cabeça aos poucos e ir pensando e dizendo coisas boas,coisas que eu queria pra mim e para a família no ano que iria começar. Ela fazia uma ênfase especial em “tirar boas notas”. Depois,não podia passar logo a toalha,tinha que deixar escorrer e secar um pouco no corpo e continuar pensando coisas boas enquanto a água secava.
Eu me emociono de lembrar porque acho que nunca existirá um presente melhor,ou maior,ou mais importante que ensinar alguém a desejar o futuro,a abençoar a própria cabeça e corpo. E tudo o que desejei reverbera até hoje.
Esta coluna foi publicada na edição de papel do Globo em 25 de dezembro de 2024 e,por um erro de operação,não havia sido publicada ainda em sua versão on-line.
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