Foto aérea da Avenida Paulista durante manifestação pró-Bolsonaro — Foto: Edilson Dantas
GERADO EM: 14/03/2025 - 21:10
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
A polarização não é apenas a separação da sociedade em dois campos políticos antagônicos. Com ela,vêm também a desqualificação do adversário e insensibilidade às suas críticas. Quando instituições são hegemonizadas por um dos polos,seu caráter público é comprometido porque as autoridades que as controlam sentem que não precisam responder a críticas “desqualificadas”. Precisamos entender como opera esse mecanismo e atuar em sentido contrário,para garantir que sigam funcionando de modo republicano num mundo dividido.
Imposto de Renda: Lula diz que projeto de isenção para até R$ 5 mil será enviado ao Congresso na terça
Uma famosa história da infectologia serve de ilustração sobre esse ponto. Em meados do século XIX,a febre puerperal,após o parto,era amplamente disseminada e matava até 30% das pacientes que davam à luz nos hospitais. O médico húngaro Ignaz Semmelweis,que trabalhava em Viena,notou que o índice alto de mortalidade só existia na ala atendida por médicos profissionais,enquanto na ala das parteiras e doulas o índice era menor. Quando um cirurgião,colega de Semmelweis,morreu com os mesmos sintomas das parturientes depois de se cortar acidentalmente com o bisturi,ele teve uma intuição: os médicos carregavam partículas infecciosas dos cadáveres que manipulavam noutras alas do hospital para as mulheres em trabalho de parto.
Sem transparência: PSOL acionará STF contra regra aprovada pelo Congresso que esconde padrinhos de emendas
Semmelweis ordenou então que todos os médicos lavassem as mãos com uma solução de cloro antes de atender as pacientes. Os resultados foram imediatos: a taxa de mortalidade caiu para menos de 2%. Foi uma das primeiras descobertas médicas baseadas no que mais tarde se tornaria a teoria dos germes. Mas,apesar das estatísticas mostrando a eficácia de lavar as mãos,a comunidade médica reagiu com hostilidade. Muitos médicos se recusaram a aceitar que eles próprios eram responsáveis pela morte das mulheres. O próprio diretor da maternidade se recusou a implementar permanentemente o protocolo de lavagem das mãos. Semmelweis terminou demitido e caiu em descrença. Aos 47 anos,foi internado à força num asilo psiquiátrico na Hungria,onde morreu em decorrência de maus-tratos.
O episódio é conhecido e discutido na filosofia da ciência. Para Thomas Kuhn,mostra como a ciência resiste à mudança de paradigmas. Para Karl Popper,evidencia as deficiências de uma ciência que não aceita a falseabilidade de crenças prévias. Na historiografia da medicina,porém,um elemento é destacado: os médicos da época de Semmelweis não aceitavam que matavam suas pacientes por não lavar as mãos. Não apenas rejeitaram a ideia,mas ficaram ofendidos e indignados com a sugestão de que eram os responsáveis pelas mortes. O argumento de Semmelweis não foi recebido como descoberta científica,mas como acusação moral e pessoal que tornou a comunidade médica completamente surda às críticas.
É fácil ver o paralelo com a política polarizada. Na polarização,também vemos críticas não ser consideradas porque são percebidas como acusação moral ilegítima.
Nas universidades,não levamos em consideração as críticas feitas pela direita de que há falta de pluralismo político nas ciências humanas e sociais. Não as escutamos porque as vemos como um ataque ilegítimo,vindo de atores desqualificados política e intelectualmente. Acontece o mesmo,de maneira invertida,com a polícia,que apenas despreza as críticas da esquerda a seus abusos de autoridade. Para a polícia,elas não vêm de pessoas de bem cuja preocupação precisa ser levada em conta. Vemos a mesma situação também na relação da Justiça brasileira com certos movimentos sociais de direita. Seus apelos,mesmos os razoáveis,nunca são ouvidos porque vêm de quem a Justiça entende atacar a democracia.
Universidade,polícia e Justiça não servem apenas a uma parte,mas à coletividade. No decorrer do tempo,o fosso que separa as instituições de seus críticos só se aprofunda,com as críticas se tornando cada vez mais passionais e indignadas,enquanto as posturas institucionais são cada vez mais consolidadas,num ciclo de reforço da parcialidade e alienação institucional.
Se queremos preservar o caráter republicano de nossas instituições,elas precisam reaprender a ouvir. Críticas incômodas não devem ser descartadas como ataques,mas analisadas com consideração e compromisso público. Olhem para a História e olhem para o exterior. Instituições que ignoram o que diz uma parte grande da sociedade não apenas traem sua função pública,mas pavimentam seu próprio colapso.
Declaração: Este artigo é reproduzido em outras mídias. O objetivo da reimpressão é transmitir mais informações. Isso não significa que este site concorda com suas opiniões e é responsável por sua autenticidade, e não tem nenhuma responsabilidade legal. Todos os recursos deste site são coletados na Internet. O objetivo do compartilhamento é apenas para o aprendizado e a referência de todos. Se houver violação de direitos autorais ou propriedade intelectual, deixe uma mensagem.
© Direito autoral 2009-2020 Capital Diário de Lisboa Contate-nos SiteMap