
Modernização das regras de gestão da máquina pública está na proposta que será debatida hoje — Foto: Brenno Carvalho
GERADO EM: 07/12/2025 - 23:12
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
As exceções aos limites de gastos públicos durante os três anos de vigência do atual arcabouço fiscal,aprovado em 2023,no primeiro ano do atual mandato do presidente Lula,devem superar R$ 170 bilhões até o fim de 2026,quando o petista deve buscar a reeleição.
Orçamento: Congresso aprova LDO em troca de 65% das emendas antes da eleição e dá aval para governo mirar piso da meta em 2026 e socorrer CorreiosMíriam Leitão: Buscar piso da meta fiscal “transforma exceção em regra”,diz o economista Felipe Salto
Em apenas um mês,essa cifra ganhou cerca de R$ 15 bilhões com iniciativas do governo e do Congresso que beneficiam estatais em crise,como os Correios,e as Forças Armadas,corroendo a credibilidade da política fiscal,que tem repercussões,por exemplo,nos indicadores de dívida pública,inflação e juros.
Ainda devem ser deduzidos do cálculo da meta fiscal cerca de R$ 2 bilhões com despesas de saúde e educação custeadas pelo Fundo Social,caso o projeto aprovado pelo Senado Federal na semana passada conquiste também o aval da Câmara dos Deputados.
Cesta em baixa: Em crise,Correios cortam bonificação de Natal de carteiros e outros funcionários. Em 2024,foram R$ 2,5 mil para cada
Na prática,o governo gasta cada vez mais sem considerar as cifras nos cálculos que apuram o cumprimento da meta anual estabelecida para o governo na relação entre receitas e despesas,cujo objetivo é funcionar como um mecanismo de ajuste das contas públicas no longo prazo para a contenção da dívida do país.
O superávit ou déficit primário mede o total de despesas feitas pelo governo sem considerar o pagamento de juros da dívida pública. Sem as exceções,esse resultado anual funcionaria como um termômetro do esforço feito pelo governo para abater o montante principal do endividamento,mas isso é o que cada vez menos expressam os números oficiais.
No ano que vem,o governo Lula tem como objetivo alcançar o seu primeiro superávit,de 0,25% do PIB,equivalente a cerca de R$ 34 bilhões,já descontando gastos enquadrados como exceções,com uma margem de tolerância entre zero,igualando receitas e despesas,e uma economia de 0,5% do PIB.
Além dos gastos tirados desta conta,a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),aprovada na semana passada com as bases para a elaboração do Orçamento de 2026,autoriza o governo a perseguir o limite inferior do intervalo de tolerância da meta fiscal,e não o centro,reduzindo a necessidade de bloqueio de despesas ao longo do ano eleitoral.
Só com as deduções já aprovadas,o governo poderia cumprir o objetivo com um déficit de R$ 38 bilhões,calcula da Instituição Fiscal Independente (IFI),ligada ao Senado. Se o projeto que retira da meta fiscal os gastos com saúde e educação custeados pelo Fundo Social tiver aval dos deputados no retorno à Câmara,a IFI calcula um impacto adicional de R$ 1,963 bilhão em 2026,ou seja,a meta seria cumprida mesmo com um rombo de R$ 40 bilhões nas contas.
Nos cálculos da IFI,só em 2026 quase R$ 90 bilhões em despesas devem ser retirados das metas do governo central,que contemplam as contas de Tesouro Nacional,Previdência Social e Banco Central. Esse número é 80% maior que o volume total de deduções neste ano: R$ 48,7 bilhões.
Freio bem-vindo: PIB menor que o previsto alimenta expectativa de queda de juros e renova recorde do Ibovespa,aos 164 mil pontos
Para dar uma dimensão,as exceções de 2024 a 2026 seriam mais que o suficiente para pagar todos os benefícios do Bolsa Família ao longo de um ano. O valor previsto no Orçamento deste ano para o programa é de R$ 158,6 bilhões.
As despesas retiradas do limite de gastos diminuem a transparência da gestão fiscal e são consideradas por especialistas uma forma de driblar as regras para continuar aumentando o gasto. Mesmo que essas despesas não sejam consideradas para verificar o cumprimento do alvo de resultado primário pelo governo,o dinheiro efetivamente sai dos cofres da União,aumentando a dívida pública,com impactos macroeconômicos.
O país precisa,conviver com taxas de juros mais altas para conter o impacto inflacionário do gasto público.

O plenário da Câmara durante a votação da LDO na semana passada — Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados
Outra ameaça no caminho são as despesas com segurança pública. O ministro da Justiça,Ricardo Lewandowski,já admitiu que Lula avalia retirar parte do Orçamento destinado ao tema da regra fiscal.
— Para 2026,são quase R$ 90 bilhões em deduções. É muito gasto para se excetuar da meta. Vai corroendo a credibilidade das regras. Se tem um monte de despesa excetuada,a meta não diz muita coisa sobre a saúde das contas públicas — diz Alexandre Seijas,diretor da IFI.
A escalada de exceções no cálculo das contas públicas vai de despesas emergenciais como as necessárias para lidar com a calamidade pública das enchentes no Rio Grande do Sul,passando por ressarcimento acelerado de descontos indevidos feitos nos pagamentos de aposentadorias e pensões do INSS,crise de estatais e investimentos das Forças Armadas,até acomodações no limite dos gastos do Judiciário e dívidas judicias das quais a União não pode mais recorrer,os chamados precatórios,que haviam sido represados no governo de Jair Bolsonaro.
Para especialistas em contas públicas,o acúmulo dessas iniciativas corroem a credibilidade da meta e seu papel de sinalizar a trajetória das contas públicas. Sem essa transparência,analistas têm preferido acompanhar dados da dívida pública para avaliar a relação do Orçamento com outros indicadores macroeconômicos.


No caso das estatais,para acomodar a crise financeira dos Correios — que espera até R$ 6 bilhões em aportes emergenciais neste ano e busca crédito de R$ 20 bilhões junto a bancos com aval do Tesouro Nacional,a LDO permitiu que sejam excepcionalizados até R$ 10 bilhões em gastos das empresas públicas não dependentes que “possuam plano de reequilíbrio econômico-financeiro aprovado e vigente”. A nova dedução se soma à retirada de até R$ 5 bilhões de investimentos de estatais no PAC da meta fiscal.
— Na época da aprovação do projeto que excepcionalizou R$ 5 bilhões de gastos com Defesa (no fim de outubro),dissemos que poderia abrir um precedente perigoso. De fato,está se confirmando. Todas as áreas começam a se movimentar para proteger seus gastos de possíveis contenções ao longo da execução do Orçamento — diz Alexandre Seijas,diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Sobre a dedução de R$ 10 bilhões na meta de estatais,Seijas avalia que o governo tentou reduzir os danos à imagem da política fiscal,limitando o problema aos Correios. Para o diretor da IFI,a mudança da meta,como chegou a ser estudado,passaria uma mensagem mais negativa. Ele lembra que a LDO proibiu em 2026 a compensação do Orçamento do governo central,como neste ano.
Com a crise dos Correios,a projeção em novembro era de que a meta de empresas não dependentes estouraria em cerca de R$ 3 bilhões,valor compensado com uma espécie de contingenciamento.
Tiago Sbardelotto,da XP Investimentos,avalia que o indicador de resultado primário está “completamente deturpado por essas exclusões”:
— O que importa não é a meta que está na LDO,mas sim o resultado primário total do setor público. Sabemos que o resultado do governo central é bem pior que aquele apresentado na meta e que o resultado das estatais provavelmente vai continuar se deteriorando no ano que vem por conta da situação dos Correios. Tudo isso,obviamente,aponta para uma dívida pública mais elevada.
João Leme,analista de contas públicas da Tendências Consultoria,diz que a situação dos Correios é um exemplo da fragilidade fiscal do país. Ele observa que o peso da crise das estatais,mesmo com déficit recorde,é pequeno diante do gasto total do governo central,em que só a Previdência custa mais de R$ 1 trilhão ao ano,mas,considerando que o governo está “raspando o fim do barril” para chegar ao piso da meta,isso acaba virando um problema maior.
Para ele,as regras do arcabouço fiscal viraram “peça de ficção” quando consideradas as exclusões:
— Em vez de absorver tudo isso dentro da sua margem de manobra,o governo fica entrando nessa contabilidade criativa. Gera um custo reputacional para a regra,que deixa de ser crível.
Declaração: Este artigo é reproduzido em outras mídias. O objetivo da reimpressão é transmitir mais informações. Isso não significa que este site concorda com suas opiniões e é responsável por sua autenticidade, e não tem nenhuma responsabilidade legal. Todos os recursos deste site são coletados na Internet. O objetivo do compartilhamento é apenas para o aprendizado e a referência de todos. Se houver violação de direitos autorais ou propriedade intelectual, deixe uma mensagem.
© Direito autoral 2009-2020 Capital Diário de Lisboa Contate-nos SiteMap