Jornais impressos — Foto: Reprodução
GERADO EM: 11/09/2024 - 03:30
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Estou no Rio. No primeiro domingo fui à banca comprar jornal. A banca tinha sumido. Perguntei por ali e me indicaram outra. Estava aberta,com poucas revistas na prateleira. “Tem jornal?”,perguntei. A mocinha me olhou uns segundos,virou-se para pegar de uma pilha sob o balcão. Me senti parte de uma seita. Ou que o GLOBO precisava ser escondido das hordas de leitores insaciáveis.
Em casa meu pai disse: “Jornal?” Mãe: “Jornal!” Era a reação de quem vê um baiacu sobre a mesa. Veio minha irmã e emendou no susto: “Caramba,eu não leio jornal em papel há anos!” E aqui esqueçam o baiacu,ela tratou meu jornal com a nostalgia reservada a uma pasta de dente Kolynos.
Enquanto houver jornal eu lerei impresso,o que me faz a velhinha de Taubaté da imprensa. Serei com orgulho uma das últimas a acreditar. Leio também on-line,mas no impresso a leitura é ritual. Um café,o virar das páginas,eu comigo mesma e o texto. Não sou guiada por um algoritmo,mas por mim. Não me submeto à intensidade das redes. É uma transgressão,rebeldia e despeito. Eu nos meus 50 anos,jovem na contracorrente de ler a notícia do título ao fim. De recortar uma reportagem para guardar num arquivo de metal,porque,sei lá. Desconfio de computadores,e bem acho que uma aberração futurística,algum supercomputador chamado Borgus,limitará a internet a três receitas de bolo e dois clipes da Olivia Rodrigo. Terei então a minha pequena biblioteca de Alexandria,imune ao malvado Borgus.
Também assino o impresso pelos meus filhos. Se é para viver em bolha,serei eu a inflar a minha. Eles cresceram com a pilha de jornais bagunçados sobre a mesa,pensam ser assim em todas as casas. Há na bússola deles a referência física da informação. Vai que um dia eles dão uma espreguiçada e tocam a coisa,hã,um papel,com o perfil de uma índia centenária na Amazônia,lerei. (Já aconteceu.) Quero que aprendam a domar um jornal. A conter as páginas grandes,soltas e sujas. Ler o impresso requer destreza.
E daí que eu descobri alguém que acredita mais no impresso que eu. É o Sergio. O Sergio ainda anuncia nos classificados do GLOBO em papel. “Gamboa,um qto,cozinha c armários”. “Fonseca,3qtos,dependências completas”. “Uruguaiana,estúdio luxuoso”. Sergio Castro,colega corretor,em respeito à sua fé no impresso eu te li de cabo a rabo no domingo. Seus anúncios pequeninos,quadradinhos de jornal. Suas ofertas no Catete,as coberturas de Ipanema,as casas na Barra.
Somos vizinhos,Sergio,no jornal. Eu ali no fim do Segundo Caderno,você no topo dos classificados. E nem te conto: eu vi numa banca de Ipanema uma pilha de jornais em branco. Maior que a do nosso,Sergio. Era para os pets. Dizem que a tinta de jornal é ruim para os bumbunzinhos. É o fim,eu pensei,mas depois bateu no meu brio. É um alívio. Nenhum cocô de cachorro tocará nossas mortas edições. E de verdade: o jornal impresso será a degustação jornalística do futuro. Nós somos a delicatessen das notícias. Quem lê no papel diz — vocês todos estão indo para a tela,e para lá também vou quando eu quero,mas disso que eu tinha antes não abro mão. Era bagunçado e sujinho,mas não abro mão. Tamos juntos,colega velhinho porreta de Taubaté.
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