Ato contra o racismo,em São Paulo,no Dia da Consciência Negra — Foto: Miguel Schincariol/AFP
GERADO EM: 27/11/2024 - 20:56
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Reconhecemos que o Poder Judiciário tem uma missão crucial em nossa sociedade: não apenas garantir a aplicação da lei,mas ser um agente de transformação,promovendo justiça e equidade para todos. E,num país como o Brasil,onde as desigualdades raciais são profundas e históricas,esse papel ganha a cada dia mais importância.
O racismo é um crime que atinge não apenas um,mas vários princípios fundamentais. É um mal que acomete não somente uma vítima,mas toda uma coletividade,ferindo os direitos fundamentais do homem e atacando de forma indelével a dignidade da pessoa humana.
Analisando a Constituição em vigor,surge uma inevitável questão: como discutir a promoção da igualdade racial considerando o disposto no caput do artigo 5º,que expressamente afirma a igualdade de todos perante a lei?
De fato,a igualdade nunca ocorrerá de forma plena,por inúmeros fatores. Além da cor da pele,a origem,o gênero,a idade e as deficiências distinguem os grupos sociais e personalizam o indivíduo como único. Em temor à indiferença,faz-se necessário analisar o indivíduo sob a ótica particular.
A violação,desse modo,não reside em tratar de forma desigual a humanidade diversificada,mas sim no tratamento discriminatório,vexatório ou degradante,haja vista alguns grupos demandarem maior apoio jurídico e político que outros.
De acordo com o relatório “Justiça em Números”,divulgado em 2024 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),o Poder Judiciário brasileiro conta com 18.265 magistradas e magistrados. Desse total,apenas 14,25% se autodeclaram negros. Esse percentual representa leve redução em relação ao levantamento anterior,que apontava 14,5%. Os dados evidenciam um desafio crucial: a magistratura ainda está distante de refletir a diversidade racial da população brasileira.
Para que o número de magistrados negros cresça de forma significativa,é imprescindível adotar medidas estruturais e contínuas. O Poder Judiciário,ao contrário de adotar uma postura neutra diante dessas questões,precisa assumir ativamente o combate ao racismo. Isso implica ir além da aplicação formalista da lei,comprometendo-se com a eliminação de injustiças toleradas por séculos. Essa transformação demanda não apenas vontade política,mas também capacitação (incentivo à pesquisa e à formação acadêmica) e sensibilidade para lidar com questões raciais.
Nesse sentido,a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados tem papel estratégico. Nossa missão é capacitar juízes não apenas para que apliquem a lei,mas para que compreendam o contexto social em que essa aplicação ocorre,e isso inclui a consciência racial e o combate ao racismo estrutural.
Em agosto de 2023,a primeira aula do curso Equidade Racial foi ministrada na escola. A disciplina abordou o tema Construção Social e Histórica de Raça,Racismo e suas Implicações na Condição da Pessoa Negra no Estado Brasileiro. O sucesso da primeira edição do curso foi tão grande que,ao final de setembro deste ano de 2024,a formação continuada promoveu sua segunda edição.
Nosso compromisso é fortalecer ainda mais essa pauta,oferecendo programas específicos voltados para a conscientização sobre os vieses inconscientes e a necessidade de uma atuação mais sensível e equitativa por parte dos juízes.
Só um juiz consciente da realidade racial de nosso país será capaz de garantir que o Judiciário cumpra sua função constitucional de promover justiça para todos,de forma equitativa. O desafio da inclusão racial no Judiciário é também o desafio da inclusão racial na sociedade,possibilitando a construção de um país onde a diversidade não seja apenas tolerada,mas celebrada como parte fundamental de nossa identidade coletiva.
*Benedito Gonçalves é ministro do Superior Tribunal de Justiça e diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
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